Na civilizada cidade de Bruxelas,
na Bélgica, além de um monumento ao átomo de Ferro, lembrança de uma Feira
Mundial lá dos anos 50, chamado Atomium, existe, a poucos quilômetros do
centro, o Museu Real da África Central (Musee
Royal de l'Afrique Central) que procura mostrar que os civilizados belgas
têm alguma consideração pela África.
Os belgas patrocinaram um dos regimes coloniais mais violentos que se
teve história. O que é hoje a República Democrática do Congo (também já foi
Zaire), foi o Estado Livre do Congo, uma fazenda do rei belga Leopoldo II. Era
um negócio particular do monarca, onde não havia nenhuma lei. Milhões de
africanos foram mortos de fome ou de exaustão ou ainda abatidos a tiros em
caçadas. O domínio belga perdurou até 1960,
quando se tornou independente. Em sua primeira eleição, elegeu Patrice Lumumba
que um dos principais líderes do movimento anti-colonialista. Dois meses após a
eleição, Lumumba foi seqüestrado e assassinado por forças especiais belgas, o
país ficou em convulsão até 1965, quando o governo foi tomado por Mobutu Sese
Seko que, de forma ditatorial e violenta dilapidou o Congo (foi ele que
inventou o nome Zaire) por mais de 30 anos, somente de 2006 para cá o país vem
conhecendo alguma tranqüilidade.
No início do século XX, o grande escritor inglês (nascido na Polônia)
Joseph Conrad escreveu um livro chamado “O Coração das Trevas” onde ele conta a
história do marinheiro Marlow que sobe um grande rio da África (ele não diz mas
dá toda as dicas que se trata do rio Congo) para resgatar um comerciante
chamado Kurtz, que havia enlouquecido e não estava respeitando as normas
comerciais. Conrad descreve parte da violência doentia que reinava naquele
pedaço do mundo. Bem mais tarde Francis Ford Coppola, faz o fantástico
“Apocalypse Now” baseado neste livro. Só que agora o absurdo é a Guerra do
Vietnam e o Capitão Marlow recebe a missão de matar o Coronel Kurtz, um
condecorado militar das forças especiais americanas que havia se estabelecido
no alto rio Mekong e lá criado um território sob sua própria lei. Assistir este
filme é tarefa obrigatória de quem quer entender nosso mundo hoje. Mas queria
apenas me fixar em uma passagem do filme. Trata-se de um ataque de helicópteros
a uma aldeia vietcong, com muita bomba e napalm ( um gel de gasolina e outros
inflamáveis que aderia ao que tocasse e aí pegava fogo...). Este ataque é feito
ao som de Wilhelm Richard Wagner, A Cavalgada das Valquírias (Die Walküre),
veja a cena em http://www.youtube.com/watch?v=sx7XNb3Q9Ek&feature=related.
Wagner
era o compositor preferido de Hitler pela “germanicidade” de sua obra e não
porque ele tenha tido alguma coisa com o nazismo. Influenciou Nietzsche, que
tinha uma paixão platônica por sua mulher Cosima que era filha de Franz Liszt
que entre tantas obras primas teve tempo para ser amigo de Frederic Chopin. Bom
o que nos interessa aqui é Chopin autor de Noturnos, Polonaises e Sonatas,
entre elas a Sonata nº 2, cujo terceiro movimento é conhecido com Marche Funèbre.
Este movimento foi composto antes que fizesse a sonata, e sua solenidade é
reconhecida nos seus primeiros acordes, vale a pena ouvir a pianista russa
Valentina Igoshina em http://www.youtube.com/watch?v=xPqMd06warU&playnext=1&list=PL721CFC68F34E1061.
Vale a pena também ouvir o pianista brasileiro Nelson Freire que gravou todas
as composições de Chopin, sendo um de seus interpretes mais conhecidos
atualmente.
Bom,
apesar de ter vivido sua fase mais produtiva no exílio em Paris, há algumas
versões que a Marcha Fúnebre foi composta em seu pais natal, para onde pediu
que após a morte fosse levado seu coração ( o corpo está no cemitério Pére
Lachese em Paris). Na sua época a Polônia havia sido dividida entre o Império
Austríaco, o Reino da Prússia (atual Alemanha) e o Império Russo. A cidade
natal de Chopin foi ocupada pelos russos. A Polônia somente voltaria a ser um
país em 1918, era a Marcha Fúnebre de seu próprio país...
Quase
cem depois de Chopin, a Polônia foi o estopim da Segunda Guerra Mundial quando
os nazistas ocuparam o que era a Prússia Oriental após um tratado secreto feito
com Stalin para repartir de novo aquele país. Mais de 23mil oficiais do
exército polonês que tentaram o apoio dos comunistas para resistirem aos
nazistas foram aprisionados por aqueles e executados na floresta de Katyn. Este
crime ficou oculto por muitos anos somente tendo sido assumido pelos russos
recentemente no governo do sinistro Vladimir Putin. No entanto, em 2010 quando
o presidente polonês se dirigia ao povoado de Katyn, que fica na fronteira com
a Rússia, para participar de uma cerimônia de celebração do 70º aniversário do
massacre, seu avião caiu em território russo matando os quase 100 ocupantes.
Na
civilizada Varsóvia, em uma de suas igrejas está enterrado o coração de
Frederic Chopin. Esta igreja não foi destruída pelos nazistas pela intervenção
de um general alemão, em um acesso de civilidade. O monumento a Chopin foi
reconstruído, assim como o de outro polonês muito conhecido que foi Nicolau
Copérnico. No final dos anos 80 foi construído um memorial para os soldados
massacrados pelos russos. É assim... todo mundo, de uma forma ou de outra
celebra suas dores e vergonhas.